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Na
primeira parte dessa resenha, vimos como funcionam os principais
aspectos da sociedade drow. Na parte a seguir, veremos como a
trama se desenrola e como Drizzt decidiu seguir o caminho oposto
aos seus semelhantes, rumo à solitária vida que
ele levará no Subterrâneo em Exile (Exílio),
o segundo livro da série.
A queda da casa DeVir e a ascensão
da casa Do’Urden
A história começa de uma maneira bastante incomum:
no meio de uma verdadeira ‘guerra’ entre duas casas
drow. Na verdade, ‘guerra’ não é bem
a palavra que possa descrever o conflito inicial do livro, afinal,
a casa DeVir está em completa desvantagem ao se ver em
desfavor com Lolth. Podemos dizer que a história começa
com a aniquilação da casa DeVir.
Como vimos na resenha anterior, estar em desfavor com Lolth é
estar à mercê do pior destino que se possa imaginar.
E o desfavor no qual a casa DeVir se encontra será o motivo
que a levará para a destruição. Aproveitando-se
desse momento, a casa Do’Urden, sob o comando da matrona
Malice, a atacará para se tornar a nona casa na hierarquia
de Mezoberranzan.
Drizzt nasce exatamente no meio desse conflito. Enquanto todos
os seus familiares estão agindo para exterminar a casa
DeVir, a matrona Malice usa a própria dor do parto para
atacar a casa inimiga diretamente. E assim Drizzt nasce, com um
único propósito: ser sacrificado a Lolth, como todo
terceiro filho homem de uma família drow. Mas, por um acaso
do destino, Dinin, irmão mais velho de Drizzt, resolve
aproveitar-se do conflito e matar o irmão mais velho de
ambos, para assim tornar-se o primogênito. Considerando
esse fato um ‘sacrifício’ aceito por Lolth,
Drizzt é poupado.
Embora a casa Do’Urden consiga realizar seu objetivo com
bastante facilidade, eles deixam apenas um sobrevivente do massacre:
o aprendiz da academia de magos Alton DeVir. Decidido a se vingar
da casa que exterminou a sua, ele mata seu mestre (chamado de
‘O Sem Rosto’ por ter sido deformado por seus próprios
experimentos. Ele fez um acordo com a casa Do’Urden para
exterminar o jovem Alton, em troca de uma solução
para sua aparência. Mas ele falha em sua incumbência)
e toma seu lugar, aguardando o momento certo para descobrir a
casa autora do massacre. Logo ele recebe o apoio de outra casa,
e é ‘adotado’ pela matrona SiNafay, da casa
Hun’ett, que certamente deseja se aproveitar da falha da
casa Do’Urden para usá-la em um momento propício
(como é de se esperar de toda casa drow):
“O clamor de Alton DeVir contra a casa Do’Urden
pode trabalhar em nosso favor. Ele era um nobre da casa, com direitos
de acusação (...)”
“Você quer usar a acusação de Alton
DeVir para fazer as grandes casas punirem a casa Do’Urden?”
“A casa Do’Urden executou a destruição
da casa DeVir quase com perfeição – morte
limpa. Falar abertamente contra a casa Do’Urden agora levantaria
a ira das grandes casas sobre nós (...) Mas com a acusação
de Alton DeVir nas orelhas certas, o conselho poderia ver de outra
forma, se uma casa sozinha tomasse a vingança de Alton
para si.”
“Para quê? (...) Você arriscaria as perdas de
uma batalha pela destruição de uma casa menor?”
“Assim pensava a casa Do’Urden (...) No nosso mundo,
precisamos nos preocupar tanto com as casas grandes quanto com
as menores.”
A adolescência de Drizzt e
a Academia de Melee-Magthere
Durante os 16 primeiros anos de vida, Drizzt é praticamente
criado por sua irmã Vierna, que pode ser considerada a
mais ‘bondosa’ de todas as drows que Drizzt conhecia
até então. Após esses 16 primeiros anos nos
quais ele passou sob chicotadas e tarefas simplórias de
cuidado com o templo, aprendendo as bases da linguagem, magia
e costumes do seu povo, Drizzt é encaminhado para continuar
seus estudos. Mas, por uma razão desconhecida, desde cedo
Drizzt aparenta ser diferente dos outros, como observa sua irmã
Vierna:
“Esse é diferente (...) mais do que na cor dos
olhos.”
“De que jeito? - perguntou Zaknafein (...)
“É difícil dizer (...) Ele é tão
inteligente quanto qualquer criança que conheci, ele podia
levitar aos cinco anos. Ainda assim, após ele se tornar
um pagem, eu levei semanas o punindo para fazê-lo manter
seu olhar no chão, como se esse simples ato não
fosse natural à sua personalidade.”
Zaknafein, pai de Drizzt, vê nessa diferença uma
possibilidade de tornar aquele jovem diferente dos outros, como
se ele pudesse se redimir daquela vida através de Drizzt.
Zak parecia o único drow em toda aquela cidade que compreendia
os caminhos de sua raça, que sentia um peso no peito ao
cometer atos que ele, e apenas ele, considerava um crime. E então
assim que convence a matrona Do’Urden a permitir que Drizzt
seguisse o caminho da espada e assim ficar sob sua tutela (ela
desejava que Drizzt se tornasse um mago), Zaknafein tentará
‘salvar’ Drizzt daquela terrível realidade.
Mas Zak não terá muitos problemas em fazê-lo:
Drizzt parece naturalmente inclinado a não aderir aos modos
de seu povo ao se horrorizar naturalmente com a naturalidade do
assassinato e da crueldade ao seu redor. Porém, percebendo
essa ‘falha’ na personalidade de Drizzt, sua própria
mãe e irmãs tentarão, por diversas vezes,
destruir o que elas denominam como um guerreiro drow ‘que
não se encaixa’. Drizzt perderá sua ‘inocência’
ao ser obrigado a matar pela primeira vez, para em seguida seguir
seu caminho rumo à Academia, destino esse temido por Zaknafein:
“Não o envie! (...) Eles o arruinarão!”
“Ele vai – [Malice] disse calmamente (...) Há
outras lições para ele aprender.”
“Lições de traição? –
Zak atirou (...)”
“A lição delas quase acabara com o menino
e, talvez, tenha tirado para sempre os ideais que Drizzt agarrava
com tanto carinho. Drizzt acharia sua moral e princípios
difíceis de acreditar agora que o pedestal de pureza havia
sido retirado bem de baixo dele.”
Dessa maneira, com seus princípios inconscientes abalados,
Drizzt é enviado para a Academia, e lá passará
os próximos dez anos, muito bem resumidos nas seguintes
palavras:
“Todos os dias, Drizzt e seus colegas de classe eram
sujeitos a vários elogios à Rainha Aranha, contos
e profecias de seu poder e das recompensas que ela dava a seus
serviçais fiéis.
Escravos – teria sido uma palavra melhor, Drizzt percebeu,
pois em lugar algum dessa grande escola à deusa drow ele
encontrou qualquer sinônimo ou sequer uma dica da palavra
amor (...)
Tudo parecia errado no coração de Drizzt.”
Após todas as provações pelas quais passou
durante seus anos de Academia, tentando adaptar-se à sua
realidade mas sentindo um desejo inconsciente de negá-la,
Drizzt estava perdido entre as supostas verdades contadas por
seu povo e a forte dúvida em seu peito. Talvez a única
prova concreta da tendência de Drizzt até então
seja a afeição natural que Guenhwyvar, um ser mágico
que está em poder de um outro drow da família Hun’ett,
sente por Drizzt. Mas é após sua primeira ida à
superfície que Drizzt define de vez sua natureza e seus
sentimentos.
“Enquanto os outros pareciam nervosos sob aquelas luzes
reveladores, Drizzt descobriu seu olhar na direção
do céu para os incontáveis pontos místicos
piscantes. Banhado na luz das estrelas, ele sentiu seu coração
ascender (...)Transfigurado pela alegria das brincadeiras dos
elfos da superfície, Drizzt mal notou os comandos de seu
irmão na linguagem de sinais. Muitas crianças dançavam
em meio aos outros (...)
Eles pareciam tão inocentes, tão cheios de vida
e anseios, e obviamente estavam ligados uns aos outros por uma
amizade mais profunda do que qualquer outra que ele jamais conheceu
em Mezoberranzan (...)
Drizzt queria parar seu irmão e os outros, queria fazer
eles esperarem e observarem os elfos da superfície que
eles tão rapidamente chamavam de inimigos (...)
Ódio, horror, angústia e uma dúzia de outros
sentimentos invadiram Drizzt naquele momento. Ele queria escapar
de seus sentimentos, queria se perder no frenesi cego de seus
semelhantes e aceitar aquela terrível realidade (...)
Ele quase o fizera. Ele quase havia tirado a vida dos olhos brilhantes
daquela criança. No último momento, ela olhou para
ele, os olhos dela como um espelho escuro dentro do coração
negro de Drizzt. No reflexo deles, a imagem reversa do ódio
que guiava sua mão, Drizzt Do’Urden encontrou a si
mesmo.”
Após decidir definitivamente sua posição
em meio aos seus, Drizzt caminha para a conclusão da história
e para a decisão que mudaria sua vida para sempre.
Conclusão
Após negar por completo os caminhos de seu povo, Drizzt
não mais conseguirá esconder sua aversão,
e ela será definitiva para o destino que cairá sobre
sua família. Ao se recusar a matar a jovem elfa da superfície,
Drizzt fez com que Lolth desfavorecesse os Do’Urden, e cada
ação sua daquele ponto em diante seria definitiva
para a queda deles, inclusive quando Drizzt também poupa
a vida de Belwar, um gnomo das profundezas que se tornará
um fiel companheiro em sua caminhada pelo Subterrâneo no
próximo livro. Mas o ‘novo’ coração
de Drizzt não poderia ficar em segredo por muito tempo,
e logo a matrona Malice descobre a verdade sobre ele. Decidida
a mais uma vez reduzir o número de casas diante da sua
derrotando a casa Hun’ett, Malice se vê em desfavor
com Lolth e precisa desesperadamente reparar o erro de Drizzt.
Zaknafein, convencido de que seu filho poderia se salvar, decide
entregar-se em sacrifício a Lolth no lugar de Drizzt.
Em um último gesto de sobrevivência, Drizzt decide
acaba matando Alton DeVir e Masoj Hun’ett: Alton, que desejava
vingança pelos crimes do passado; Masoj, que desejava eliminar
seu inimigo em potencial por inveja e poder. Mas aquelas duas
mortes pesam no coração de Drizzt a ponto de ele
jurar a si mesmo que jamais mataria outro drow novamente. E mesmo
após inconscientemente ajudar sua família na luta
pelo poder, Drizzt descobre o sacrifício de seu pai e decide
abandonar de uma vez sua cidade natal e os caminhos cruéis
de seu povo, levando consigo a pantera que seria sua única
companheira por tanto tempo. Dessa maneira, ele anuncia finalmente
sua postura à sua mãe, e torna-se inimigo daqueles
que um dia foram sua família, deixando tudo para trás
em busca de uma vida melhor, onde quer que ela estivesse:
“Você me diz para servir seus planos ruins (...)
Eles são uma mentira, assim como nosso - não –
seu povo é uma mentira!”
“Sua pele é tão escura quanto a minha –
Malice lembrou a ele. – Você é um drow, apesar
de jamais ter aprendido o que significa!”
“Oh, eu sei o que significa.”
“Então aja conforme as regras! – a matrona
Malice demandou.”
“Suas regras? – Drizzt gritou de volta. – Mas
suas regras são uma maldita mentira também, tão
mentirosas quanto essa suja aranha que vocês chamam de deusa
(...) Um deus verdadeiro amaldiçoe vocês todos (...)”
“Que lugar é esse – Drizzt perguntou ao
gato em voz baixa – que eu chamo de lar? Esse é meu
povo, por pele e hereditariedade, mas não sou parente deles.
Eles estão perdidos e sempre estarão.
Quantos serão como eu, eu me pergunto (...) almas condenadas,
assim como Zaknafein, pobre Zak. Faço isso por ele, Ghenhwyvar;
eu vou embora pois ele não pôde ir. A vida dele foi
minha lição (...)”
“Drizzt deu um passo na direção do túnel,
atrás de Ghenhwyvar e deixou Mezoberranzan para trás.”
