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Paz em Silvanum,
ou O Maior Medo de Kelta,
ou ainda As Proezas de Iorek


Descrita por Marcelo Piropo e Ricardo Iglesias


Personagens da aventura:

Os humanos: Ajax filho de Felonte, Herói de Arabel; Kantras de Shadowdale; Adom de Mystra; A Bruxa Coral; Diana de Tymora; Frogsong; Kelta Westgale; Adsartha; Iorek de Moradin, Defensor de Aglarond; Magnus de Helm. Os elfos:Arthos Darkfire; Fergal Rall; Kariel Elkendor; Elder Villayette "Moonblade" Elkendor; Halaur de Evereska; Parliin de Evereska; Siali de Evereska; Torcond de Evereska. O Anão:Feldim Braço Forte. Os Vilões: Cyric, O Príncipe das Mentiras; Bane; Fzoul


Paz em Silvanum,
ou O Maior Medo de Kelta,
ou ainda As Proezas de Iorek


Os anões partem

      Lentamente a Comitiva desce do estranho vulcão.  Questões varrem a mente destes bravos mortais que tomaram para si a missão de proteger os Reinos.  Mas, não estaria este grupo ambulante, em suas andadas, superestimando as capacidades da Orbe divinizadora? Se o Pater Ao, Ajuntador de Nuvens, permitiu que a Orbe fosse construída, e se demandou que dela sairia o patrono dos humanos, não seria lícito permitir que Bane, Senhor da Destruição, a possuísse? Afinal, não fosse para Bane possuí-la, Ao Pater teria dito: "Todos podem, menos Bane e nem adianta espernear." Mas disse? Não disse. Por outro lado, afigurava-se a todos que, talvez, a intenção do Grande Pai fosse esta mesmo, permitir a vários partidos a disputa pelo cobiçado poder.

      A comitiva, indo para baixo, carecia de respostas; contudo aprendera uma matéria, e isto lhes bastava por enquanto: não entregariam a Orbe para Bane ou para qualquer das Divindades Escuras, também não entregariam para quaisquer outras divindades pretendentes, fossem quem fossem; imagine-se se Magnus entrega o objeto a Helm, quê não dirá Ájax?, fosse escolher, Ájax elegeria sua Diva Mãe, Tymora; Villa quereria ofertar Corellon, Pater Elfum... "Ei, Villa, Corellon já é pai dos elfos..." "E daí, quem disse que ele não pode..." Haveria uma guerra no seio do grupo, mortes, discórdias infindas, cada membro lutando para que seu Deus recebesse a grande oferenda. Melhor, para não haver sérias pelejas internas, deixariam a Orbe aos pés da Escada Celestial, em Águas Profundas, se calhar ainda veriam Helm, Deus Guardião.  Compreendiam que se agissem deste modo, o artefato divinizador seria conduzido ao Pai do Éter, Ajuntador de Tempestades, Criador do Universo, Ao; e a Ele, tino-mor da existência, caberia a escolha, que a qualquer outro pareceria profana. Haveria um novo Deus, ou um Deus menor tornar-se-ia superior.

      Nas mãos de um humano; um de nome Adon, sujeito assaz inclinado às tentações mundanas, feito Patriarca por exclusão, leva às costas a esfera mágica, destino dos homens.  Parou ao lado do cavalo, olhou para trás.  Sentiu medo, sentiu o peso do fardo esférico.

      Os anões juntaram-se por último a grande tropa que é esta Comitiva.  O sol sumiu dentro das nuvens, um vento forte soprou do sul.  Forthum Barba Grande, Rei entre os anões, aproximou-se de cabeça baixa.  Era um dos seus gestos carregados de drama, pensaram.  Na verdade, segurava as lágrimas. Disse:
      "Amigos, não é por falta de amor, não, que por vocês tenho muito no meu peito.  É por escrúpulo, reservas de anão, e esta não espero que compreendam.  Vou-me. Irei e comigo levarei os anões. Aqui termina a nossa jornada."

      Os anões despedem-se de todos.  Kelta tenta dissuadir Barba Grande dizendo que a raça dos anões é a melhor de todos os reinos, disse ele é claro, bem longe dos ouvidos aguçados de Villayete.  Em vão.  Recebe, entretanto, um longo abraço Kragum Mata Orc, re-batizado por Kelta, e tendo-o na conta de padrinho, dedica-lhe também caloroso abraço.  Quem mais sofre é Iorek, e são para este as maiores vênias.  Não faltou um afago a Feargal, que ajudou Forthum a resgatar o Martelo do Trovão nas Minas de Mongoth.

      Ficaram para trás o colorido e roliço Windowfim Braço de Clanggedin Barba de Prata; o jovem Kragum, anão imberbe ornado por uma felpa; Dumairin (sem que ninguém o tivesse argüido o porquê do título "Polegar Sujo"), ainda bem, contasse ele, e ninguém quereria apertar-lhe a mão na despedida.  Ficou para trás o Pai Forthum.  Só Feldin Braço Forte seguiu com a Comitiva; a esperança em seu coração impedia que deixasse a bela Diana de olhos de esmeraldas.  Um dia, cogitava, um dia será minha esta bela mulher, mais formosa dentre as fêmeas.

A Floresta Brumosa

      Cavalgaram durante algumas horas, sempre em direção oeste.  Adon e Villa deixaram-se ficar um pouco para trás.

      "Por que você pensa que Bane queria Érix livre?" Perguntou Elder Villayette.
      "Penso que para disseminar o ódio.  Creio que Bane esperava que as revelações de Érix criassem algum tipo de revolta humana contra os Deuses, em especial contra o Pai Ao.  Falhou plenamente.  Talvez tenha Bane esperado, com seu ardil, influenciar um humano desesperado a entregar-lhe este fardo." E apontou para as costas. "Talvez ainda, Bane esperasse que este humano fosse eu, haja vista meu histórico de fraquezas.  Mas sabe uma coisa, caro Villa, ocorreu o contrário."
      "Não compreendi."
      "É simples.  Desde que tornei-me Patriarca, questiono-me: como pode o perfeito Pai do Universo haver criado esta vilã raça humana.  Agora sei que esta imperfeita obra não saiu de suas mãos. Isto conforta-me."
      O elfo franziu o sobrolho.
      "Como podes falar assim.  És humano, meu caro Adon!"
      "Sou, e sei o quanto somos frágeis.  A mais frágil de todas as raças.  Tome Forthum para exemplo.  As palavras dos anões são como as montanhas, não há vento capaz de mudá-las.  Por outro lado, não há nada mais volúvel do que os juramentos humanos."

      Sem jeito, e meio a contra gosto, Elder concordou.  Perceberam que estavam distantes dos demais, assim, inclinando-se sobre as montarias, galoparam sacudindo o úmido campo.  Sorriram um para o outro, e neste pequeno momento de euforia, Adon esqueceu-se da face lesada por uma profunda cicatriz, e Villa esqueceu a alma lesada por uma longa separação.  O momento passou. Juntaram-se aos outros.

      Ao longe distinguiam uma vasta floresta. Uma linha verdejante, envolta em tênue bruma, que abrangia a totalidade do horizonte.

      "Não acho prudente seguirmos adiante até esta floresta, a menos que alguém a conheça".  Estas temerosas palavras disse Kelta. Diante d'alguns comentários contrários, ele acrescentou: "Há brumas adiante. Brumas... uma vez dormi sobre as brumas e acontecimentos terríveis vieram ter comigo".  Chegou o cavalo para perto de Coral.  Estendeu sua mão até a dela.  Coral, de ondas douradas no cabelo, estendeu as mãos para Kelta. "Minha querida, sente alguma coisa lá adiante. Sonhaste algo?"

      A bruxa Coral, mulher frágil na aparência, anacrônica espada longa pendendo da cintura, respondeu.
      "Amado esposo, não tive sonhos divinatórios, ou não soube interpretá-los como sendo."
      Iorek declarou.
      "A floresta está em nosso caminho.  Prefiro atravessar o mato do que fazer um longo contorno".

      A druida Adsartha, mais o ranger Kantras, seu marido, assentiram.  Disse a sacerdotisa:
      "Não vejo problemas com a floresta.  Ademais, estaremos mais seguros lá do que aqui."
      "O que você diz?" Esta pergunta fez Kelta. "Esta floresta pode estar habitada por criaturas terríveis..."
      Iorek olhou adiante.
      "Façamos o seguinte. Eu e Kantras iremos na frente. Vamos investigar a mata; for problemática nós faremos a volta." Disse e foram.

      Colóquio, durante a corrida, entre Iorek e Kantras.
      "O que está havendo contigo, ó bravo Iorek? Para onde está indo tua soberba sabedoria?"
      "Boa pergunta, jovem Kantras, bravo como um Deus! É saudade o que sinto. Deu-me o grande Moradin uma nova vida ao lado do meu amor, e aqui estou eu, longe dela..."
      "É verdade... Espero que a minha sorte, a de ter ao lado a querida esposa, não o entristeça."

      Acharam a floresta agradável.  Kantras entrou bastante entre as árvores e conseguiu ver um gamo.  Haviam coníferas altíssimas, carvalhos troncudos de galhos imensos, cipós pendendo de algumas árvores, uma chuva de pólens, o barulho de córregos...
      Retornaram para o grupo.  Todos gostaram da descrição e entraram na mata.
      Desmontados, caminharam por entre as árvores verdes.  Iorek ia guiando o grupo.  Os elfos de Evereska traziam os arcos preparados.  Foi quando a druida, boa para as coisas da mata, passando, viu uma mulher encostada a uma árvore.  A mulher meneou a cabeça como quem diz: "Sim, aqui estou eu!"  Os demais passaram por ela sem tomarem conhecimento.  Adsartha deixou-se ficar.

      "A Deusa ilumine os teus dias", fez, aproximando-se da mulher.
      "A voz da Deusa preencha os teus ouvidos", disse em resposta. "Sou Elifiem. Estás na Floresta Brumosa."
      "Sou Adsartha, do Vale das Sombras. Estamos profanando algum sítio sagrado, irmã?"
      "Não"
      "Esta mata é segura para mim, meu marido, Kantras, e meus companheiros?"
      "Sigam tranqüilos, Silvanus guarda esta terra; vá, não deixe que teus amigos dêem por sua falta."


Os druidas de Silvanum


      Um lago de águas transparentes se apresentou à exausta Comitiva.  Era assim: tão largo que se perdia entre as árvores cobertas de musgo, suas águas não pareciam frias ou quentes; o lugar estava envolto numa aura de raro encantamento; as copas largas das árvores guardavam com um teto folhudo as águas suaves, e da umidade das folhas luzes matizadas eram refletidas.  Adsartha, única com olhos para ver tais espetáculos, via uma bela ninfa nadando, bailava desnuda sob e sobre as águas.

      Ájax retirou toda a veste até restar apenas os panos que cobriam as suas vergonhas, e lançou-se no lago.  Seguiu-o, entusiástico, Magnus, após lutar contra as pesadas peças da sua soberba armadura.  Pegaram-se, os dois guerreiros, numa luta de socos, destas que quotidianamente há entre amigos.  Nos socos, estreitaram a amizade.  Depois, Ájax, vestindo apenas as armas, caçou um gamo.  Sacou da grossa coxa o afiado gládio e sacrificou o gamo na beira do lago, oferecendo-o à Diva Tymora.  Iorek também trouxera boa caça.  Assim, banquetearam-se de carne abundante e beberam vinho suave.  A derradeira gota correu na garganta de Iorek que, pousando a mão na empanturrada barriga, encostou-se numa pedra coberta de musgo.  Está aí a primeira proeza de Iorek, devorar, só, toda a carne de um gamo.  O elfo Feargal, selvagem na raça e no cogitar, achou aquela calmaria um tanto suspeita, sacou as espadas e pôs-se de prontidão.  Arthos Fogo Negro correu com a bela Diana de olhos de esmeraldas para um sítio afastado, derrubou-a na relva, segurou-a nos seios, sentiu-a por dentro; seja talvez por tratar-se de alguém que até pouco tempo voava por aí a cuspir fogo, seja outro motivo, mas Arthos nunca derrubara na relva úmida mulher de entranhas tão quentes.  O corpo estremeceu sobre o corpo dela.  Adormeceram descompostos, despudorados que eram.

      Kelta retirou as botas e esticou os pés.  Teve vexame de que Coral, de ondas douradas no cabelo, se molhasse assim, à vista de todos; calha da roupa ficar transparente e todos veriam as belezas que apenas seus olhos podem ver.  Puxou-a para si.  Ela, toda ouro contra a luz oblíqua, veio.  Ele segurou-lhe os nacarados braços.
      "Você estava certa!"
      "Sobre o quê?"
      "Sobre libertar Érix, sobre respeitar as profecias!"
      "O que eu disse que o fez mudar de idéia?"
      "Não apenas o que disse, mas com alguns fatos do passado que me fizeram perceber que é inútil usar a razão para compreender a natureza das coisas.  Se não fosse pelas profecias, não teríamos nos conhecido.  Não tenho certeza se expressei tudo o que sinto por você em todos estes anos, não sei se minhas palavras passaram o mesmo calor do fogo ardente que sinto por ti, mas prometo que me esforçarei ao máximo para fazê-lo e hei de torná-la a mulher mais feliz dos reinos.  A alma dos humanos é inconstante.  Inconstante sou em tudo, exceto nos sentimentos votados a ti, querida.  Morram aqueles capazes de duvidar do meu amor, que é desconhecido nesta terra, estranho também nos céus, pois duvido que hajam Deuses dispostos a amar como eu amo.  Coral..."  Estas palavras melífluas disse Kelta.
      Ela avançou.  Oscularam-se ternamente.  Nisto, desequilibrados, caíram ambos da pedra onde estavam para a água.  O ciúme varreu o cenho de Kelta.  Abraçou-a para eclipsar-lhe a beleza.
      Continuou Kelta:
      "Sei que eu não era puro de corpo quando nos conhecemos..."
      Coral o interrompeu falando assim:
      "Que diz? Nós druidas, ao contrário do que pensam as demais religiões, não consideramos que o amor suja o corpo.  Se eu tivesse deitado com outros homens antes de lhe conhecer, não gostaria que pensasse sujidades de mim."
      "Eu..."
      "Eu sei o que queria dizer, não se preocupe, são lindas as suas palavras."
      "Eu quero que saibas, ó Coral, que quando nos casamos eu era puro de coração, ou seja, você foi a única mulher por que me apaixonei e assim será sempre.  Só conheci o amor através de ti." Deu uma pausa. "Ó Coral, nínfica fêmea, se os Deuses a levarem antes de mim, e Eles cuidem e guardem para que isto não aconteça, juro, juro profundamente, não conhecerei outra mulher até o dia da minha morte, não derrubarei na aromática cama virgem alguma, ou desejarei com meus sentidos.  Irei casto para o além, olhos vermelhos de tanto chorar.  Você me esperaria no Éter se tal tragédia acontecesse? Para ficarmos unidos para sempre?"
      Coral nada respondeu.  Não sabia como não magoar Kelta, pois a resposta, a única possível para ficar em paz com a sinceridade, não era a que ele esperava.  Contudo, sorriu.  Não podia duvidar do amor que este homem lhe votava.
      Adsartha pôs-se de cócoras na beira do lago.  Veio uma ninfa nua, que somente Adsartha enxergava, e contou-lhe destarte:
      "Há, do outro lado do lago, uma vila de druidas, Silvanum é como se chama, lá reina Amarílis a bela.  Esperam-te e aos teus companheiros."  Fez e nadou para longe.  Somente Adsartha viu as manchas na superfície da água.

      Chamou Kantras, seu marido, e disse-lhe que atravessaria o lago.  Kantras, por seu turno disse para Villa que disse para Kariel.  A Iorek ninguém disse, eis mais um feito, possuir ouvido élfico; escutou e se escalou.  Ergueu entorpecido pelo vinho suave.  A comitiva desmembrada da outra Comitiva, partiu.  Entraram no lago que não parecia profundo e caminharam cautelosos dentro d'água.  Nem tão cautelosos assim.  É que vai com ele um escolhido que apenas diz para as coisas acontecerem.  Do outro lado chegaram a vila de Silvanum.  Vieram receber-lhes o elfo Mili'el, apenas selvagem na raça, e a druida já conhecida, Elifiem.

      Era Silvanum uma terra de druidas como o são as outras.  Círculos de meníres, dolmens, cabanas de paredes de pedra e teto de folhas, bois gordos pastando, pastores deitados à sombra duma vasta faia, o som de flautas e harpas.  O surpreendente era caminharem tantos elfos entre tantos humanos.

      "Três Deuses nos guardam." Declarou Elifeim à mesa e respondeu as perguntas dos forasteiros.  Já estavam, nesta altura, sentados à mesa, numa casa grande, bebendo vinho fresco e comendo frutas doces.  Refestelou-se Iorek com uma vasta tigela de frutas.  De olho na fome do ranger, mandou Mili'el trazer carne abundante.  Iorek, enquanto os outros conversavam, devorou a carne macia, sorveu o tempero e chupou o tutano dos ossos.  Diante da sede de Iorek, mandou Mili'el que viesse o barril de rubro vinho.  Afinal, aos hóspedes tudo.  Estava realizada mais uma proeza quando a última gota molhou a garganta do insaciável ranger.

      Villa contou um pouco sobre o fardo da Comitiva.  Pediu pouso.
      "Quanto quiserem."  Vinha esta resolução duma visita de Chauntea, Deusa Verde, à Amarílis a bela, poucas horas antes.  Estas foram as palavras de Chauntea: " Vem aí uma crente, muito devota, Adsartha é o nome dela.  Mandem emissário para tranqüilizá-la, depois tragam-na para esta terra.  Ela e Comitiva necessitam descanso.  Saiba, bela Amarílis, que um consórcio Divino os guarda."

Cyric, o traiçoeiro

      Cyric subiu numa árvore.  Ficou só olhando.  Viu as ebulições amorosas entre Kelta e Coral e descobriu o calcanhar vulnerável da Comitiva.  Os perseguia às ocultas a algum tempo, entrou na floresta atrás deles; desde então maquinava um plano, um jeito de arrancar a Orbe deles.

      "Safados - pensava consigo - fodo com todos, exceto com Elder Villa, desse merda eu gosto, o resto se fode, comerão a merda do inferno quando eu voltar a ser Deus."

      Cyric era muito veloz e esquivo para ser descoberto.  Por mais que a Comitiva estivesse alerta, por mais que os elfos de Evereska estivessem vigiando no alto das árvores.  Tudo debalde.  Bom mesmo para se esconder era este.  Reparou que em suas declarações de amor (Cyric não as escutava, mas lia cada uma nos lábios de Kelta e controlava-se para não se entregar às gargalhadas), Coral e Kelta afastavam-se um pouco do grupo.  Rapidamente traçou em sua vil mente." Cato a gostosinha, enfio minha faca curva na garganta da galinhazinha, e mando o otário do Kelta dar-me a Orbe... Ele anda muito acovardado, já reparei, quando a ameaça se estende à Coral; logo ele que eu outrora julguei entre os mais valentes; de todo modo a canalhada tentou apagar o fogo da vida dos meus membros, não terei piedade."

      Escorregou da árvore.  Como uma folha que cai na mata, foi destarte que seus alígeros pés tocaram o solo.  Qual estrelas nascem sutis no firmamento, Cyric corria entre as árvores.  Parou num arbusto, muito perto de Coral; sentiu mesmo o aroma campestre que emanavam os cabelos de ondas douradas.  Ela estava muito próxima.  O Mentiroso preparou o bote; dar-lhe-ia a jeito, não fosse a voz rouca de Iorek.

      "Coral, Kelta, venham, encontramos uma vila amiga do outro lado do lago, venham."  E eles se afastaram.  Cyric xingou Iorek de todos os nomes feios existentes em Toril, se o curioso quiser saber o número exato, anote: 2753. Exemplos: morfético, sodomita, pederasta, nariz-do-cão, capadócio... Não merece Iorek, que acabou de estabelecer mais um feito: caminhava depois do tanto que comeu e bebeu.

      O Mentiroso os viu atravessar o rio. Deixou-se ficar.

Banquete à Corellon


      À noite, os elfos selvagens, apenas na raça, renderam hecatombes a Corellon, Pai dos Elfos.  Sangraram um touro bravo, com a gordura avivaram a fogueira, as vísceras foram para o fogo, eram as impurezas sendo queimadas; o mesmo fizeram com dois outros.  Feargal, selvagem na raça e na fé, foi o único filho do Pai a não render homenagens, contudo não fez polêmica.

      No círculo de meníres, Adsartha participou dos serviços com as druidas de Silvanum.  Cantou a despedida do sol e a chegada de selune.  Iorek mergulhou no braço do lago que entrava em Silvanum e de lá assistiu ao festival de Corellon.  Estando assado o primeiro touro, correu, ainda molhado, para diante da carne.  Entornou vinho escarlate e engoliu carne suculenta, comeu mais do que todos.  O segundo touro não precisou dividir com ninguém que já jaziam todos satisfeitos, comeu Iorek a carne saborosa.  O terceiro touro, cortou a carne em pedaços, e deixou-a secar sobre uma pedra; levaria durante a viagem.  Não há necessidade de dizer haver Iorek estabelecido mais um prodígio.  O maior ainda estava por vir.

      O anão, Feldin Braço Forte, sentou-se só, num canto; só é exagero, trazia consigo o seu machado.  Também vinha consigo uma mágoa grossa, lodosa, pegajosa, podre, uma que pesava qual as bigornas dedicadas a Moradin; um fardo que ia, pouco a pouco, tornando-o lento, fraco, apagado, esgotado.  Quem conhecera as cores do Feldin de outrora, pensaria estar o bravo anão infetado por morfética enfermidade.  Olhava ao longe, escutava os berros de Iorek, as palavras aladas de Villa, os resmungões de Feargal; não, porém, via os olhos de esmeralda de Diana, nem a cara cínica de Arthos Fogo Negro.  Agarrou a cabeça com toda força, fechou os ouvidos, imaginou, à guisa de louco, os gemidos de Diana, altos, altos... Tampou as orelhas com tanta força que caiu exausto.  Lutou para dormir, conseguiu apenas a dor de girar de um lado para outro.

      Kelta sentou-se com Kantras. Estavam a sós, afastados da festa:
      "Por que veio conosco, Kantras?"
      "Responderei por você ser mais velho, deste modo, mais sábio.  Liguei-me a uma mulher maior do que eu, a Grande Adsartha.  Precisava saber se ela realmente me amava, ou se fizera apenas o que os druidas mandavam.  Hoje não preciso mais deste entendimento, pois cresci.  Tornei-me um homem e me basto.  Ela é sábia e basta-se; se estamos juntos, é porque nos amamos." Disse uma verdade recheada de inverdades.  Ocorre que ele tinha Adsartha numa tal posição que não se achava merecedor dela.  A cada nascer do sol ele aguardava que ela viesse dizê-lo: "Kantras, meu tempo ao seu lado acabou, vou-me, sigo o meu destino."  E em cada aurora que ela não proferia tais palavras, ele lucrava.
      Pobre rapaz, pensou Kelta de si para si. Tinha vituperiosas censuras à druida, mas calava-se. Prosseguiu:
      "Vejo-o irritado conosco, Kantras.  Direi para não ser tão severo em seus julgamentos."
      "Farei como me pede, pois é mais velho, contudo saiba que não tolero a falta de respeito e honra, e há desrespeito no seio desta Comitiva."
      "Concordo com você, mas deve cuidar para não dirigir às pessoas erradas o seu descontentamento.  Sei que sua rixa principal é com Feargal, contudo lembre-se: ele faz parte da Comitiva da Fé mas não é a Comitiva da Fé."

      Calados, foram buscar suas mulheres.  Correram para os matos, cada casal para um lado.  Kelta derrubou Coral na grama úmida, atrás de ampla faia, e a fez gemer como só as druidas gemem.  Adsartha derrubou Kantras na grama úmida, e ficou por cima no ato, gemeu e teve prazer, perícia druídica.  Ah, se Kelta soubesse que olhos cheios de vilania viram a nudez da sua amada, explodiria de raiva e mataria o ofensor.

      Não adiantava Cyric fazer Coral de refém naquele momento.  O cruel Ájax, maquinou, e o terrível Adon estão distantes; aguardarei momento melhor.

      Arthos e Diana só chegaram a Silvanum quando a lua já reinava alta e a vila dormia.  Arthos fora avisado, mas preferiu amar mais duas vezes a sua Diana de olhos esmeralda.  Notou uma conversa secreta e decidiu fixar sua audição élfica.  A mesma conversa era escutada pelo escolhido, Kariel, que sem precisar dormir, subira numa árvore para apreciar a noite.

      Relatavam as vozes:
      "Os forasteiros querem chegar a Águas Profundas... Talvez possamos evocar o poder do círculo de meníres, e ajudar os forasteiros."
      "Amarílis não acha prudente."

A Sacerdotisa Amarilis

      Os amantes retornavam de suas aventuras noturnas na floresta.  O restante da Comitiva acordava.  Estavam dispostos a continuar sua jornada através da floresta.  Kariel procurou Adsartha ainda bem cedo; relatou-lhe as coisas que escutara.  Concordaram em não perturbar esta de nome Amarílis.  Se a ajuda fosse diretamente oferecida, então talvez... Entretanto, cresceu em ambos o desejo de conhecer a senhora deste tão agradável sítio.  Elifiem os levou até a casa grande no alto da colina.
      Entraram num salão amplo, ornado de mármores e estátuas antigas.  Sentada bordando estava Amarílis.  Adsartha que tinha olhos para ver, viu ali diante de si uma semideusa, ninfa de alta estirpe, toda coberta de atmosfera dourada.  Kariel que tinha olhos mas não via tudo, enxergou somente uma senhora ocupada e receptiva.
      Cumprimentaram-se. Disse Adsartha:
      "Viemos conhecer-te, ó druida, agradecer-te também pela hospitalidade."
      "Não nos foi dado a dádiva de conhecer o futuro, como saberei se amanhã não serei eu a bater à sua porta?"
      "De todo modo, em nome de Chauntea, muito obrigada."
      Kariel também expressou os seus agradecimentos, contudo, sem igual oratória.
      Amarílis esticou um pergaminho para Adsartha.
      "Aguardava sua visita.  Leve esta mensagem para os druidas do Vale das Sombras.  Não se acanhe com a pousada, pense nela como a integração de duas casas que a muito se encontram separadas."

      Arthos Fogo Negro é um sujeito estranho.  Não se esforça para agradar, entretanto, não há quem o não queira bem.  É o seu jeito, dizem.  Estava dormindo com uma mulher-dragão e nem fazia caso do fato, para ele não importava.  Aceitava a vida como ela se lhe apresentava, não resmungava, e tudo, o tempo, as batalhas, as amizades, tudo sempre ia bem.  Diana, que chegara na Comitiva inclinada a procurar protetor, encontrou em Arthos o mais forte do grupo, capaz de, aparecendo Mor'Ha'Dur, dar solução inesperada ao caso.  Solução esta que ele (Arthos) nem sabia que existia até que chegasse o momento.  Bem, foi imbuído destas inconseqüências que se aproximou da Comitiva.  O grupo preparava as mochilas e os cavalos. Arthos começou assim:

      "Grande dia, Comitiva Devota" falou retirando o cabelo rubro da face. "Talvez nossa viagem esteja resolvida."  Encostou-se na parede, talo verde entre os dentes.  Era este o modo Arthos de agir. Jogava a isca e aguardava.
      Todos se voltaram para ele.
      "Que diz?" esta pergunta fez Kelta.
      Arthos então animou-se.  Contou tudo sobre as vozes ouvidas.  A Comitiva não lhe deu ouvidos.  E Villa passou-lhe um sermão.
      "Arthos, esqueça isto, pois seria indelicadeza de nossa parte, fomos convidados para passar a noite, não ficar escutando as conversas alheias."
      Retornando Kariel e Adsartha, o grupo partiu.

A Chantagem de Cyric

      Algum tempo após a saída de Silvanus, o grupo continuou sua viagem através da floresta, sob uma forte chuva que desabara, parecia que Talos se mostrava presente como se proferisse o que estava por vir. Veio Mystra, Deusa da Magia, falar ao ouvido do dileto Kariel.  Era uma borboleta o seu Avatar.  Ninguém mais notou a presença da Deusa; Kariel atentou às palavras divinas.

      "Dileto Kariel, por mim escolhido, não tema ainda, o momento derradeiro ainda não chegou.  Embora não tarde.  Saiba que muito a nordeste, os cavaleiros de Myth Drannor mataram o último Nefário no momento em que se abria o portão para o inferno.  A destruição do Grande Demônio fez ruir a tenebrosa Gandhal-Mhor.  Em Cormyr, há dias as asas do terrível Mor'Ha'Dur não são vistas.  Embora o reconhecimento recaia sobre estes combatentes que defendem o Reino à vista de todos, torna-se mais importante a missão da Devota Comitiva.  Não percam o sono por Bane, não pode ele contra todos nós.  Não podemos, porém, garantir contra seus filhos, que são muitos e maliciosos.  Resolvemos que a Orbe divinizadora deve ser depositada aos pés da Escada Celestial, e quem deve decidir é o Grande Pai." A borboleta-avatar foi-se.

      Cyric corria no meio das árvores.  Podia sentir a presença da Orbe, a realização dos seus desejos, ali, seguindo quase ao seu lado.  Perdera o pudor, e seus alígeros pés não mais deslizavam pelo solo molhado, feriam sim, de maneira estridente, as folhas caídas e os galhos.  O cheiro da Comitiva misturava-se com o cheiro de metal da Orbe, era tudo uma grande loucura e a fome em seu ventre impedia-o de raciocinar.  Era Cyric a efígie do puro desespero.  Soubesse ele quem estivera a pouco conversando com Kariel, talvez mudasse de idéia. Sabia? Não sabia.

      A água caía do céu em forma de laje d'água, pesada e sonora.  O vento envergava as árvores.  Kelta cobriu Coral com uma manta grossa.  Seguiam por um estreito corredor entre os matos altos, iam desmontados, conversando amenidades, poluindo os ouvidos, dando possibilidade para o desesperado Cyric.
      Se alguém perguntar para Kelta como tudo aconteceu, ele certamente não será capaz de responder.  Ele caminhava ao lado de Coral num instante, no outro ela jazia entre os braços dum homem ordinário, e uma faca curva havia selecionado sua veia jugular.

      "A Orbe, filhos da puta, me dêem a Orb..., calabocavagabunda, a Orbe ou a desgraçada vai morrer."
      Todos estavam parados.  Não esperavam que tal criatura aparecesse tão cedo, mas lá estava ele, com ódio nos olhos, o Mentiroso, ou melhor, ex-Deus, mas não menos mitômano e perigoso.
 Coral trazia na face o horror, mas trazia também a determinação de que morreria, mas não deixaria que a Comitiva entregasse de boa vontade a Orbe a Cyric, nem a adaga curva que estava prestes a cortar-lhe a jugular a fazia desistir.  Porém o medo em seu rosto, fez com que Kelta perde-se a fibra.  O fogo guerreiro apagou-se.

      "A Orbe, Adon, me dê a Orbe."  Estas palavras disse Kelta, para em seguida arrancar das mãos do Patriarca de Mystra o tão cobiçado artefato.
      Todos estavam estarrecidos, eles viam seu companheiro Kelta, que outrora se mostrara forte, sucumbindo ao ex-Deus das Mentiras.
      "É Adon, dê a Orbe p'ra ele senão eu corto essa cadela."
      Feargal, selvagem na raça e no cogitar, sacou suas duas espadas.  O som das lâminas girando, cortando o ar, foi maior do que o da tempestade.
      "Saia da frente, Kelta, matarei este miserável."
      "Se derem um passo eu a corto."
      Iorek, animado com a ação de Feargal, sacou o arco e praticamente encostou a seta na cabeça do Mentiroso.
      "Quando eu voltar a ser Deus eu vou foder com todos, viu seu Iorek! Só vou poupar o Villa aqui."  Disse Cyric percebendo que ele se aproximava.
      "Calma Cyric, deixe-a em paz!" Disse Villayette segurando a empunhadura da Lâmina lunar.
      "Cyric, ela não tem nada a ver com isso, ela é inocente, e você não quer fazer isso, fique comigo, deixe-a em paz!"  Insiste o elfo Elder Villa.
      Feldin sacou o grande machado. Contudo não foi contra Cyric.  Protegeria Diana caso o ódio de Cyric mudasse de alvo.
      "Villa, eu vou foder todos eles, eles tentaram me matar, mas você não.  Eu gosto de você, mas se der mais um passo eu vou cortar e ela vai se foder."
      Naquele momento, Kelta mostrava todo seu desespero.  Ele já de posse da Orbe preparava-se para entregá-la.  Arthos dava a volta, silenciosamente (pelo menos acreditava andar silenciosamente).  Kariel ativava seu elmo da invisibilidade.  O resto do grupo silenciou, a tensão estava no ar, ninguém se mexia.  Nem mesmo pareciam respirar.  Villayette não acreditava no que via.  Kelta acabara de entregar a Orbe.
      Cyric que apesar de ter uma aparência doentia, era ágil e esperto, percebia todos os movimentos, advertiu Arthos, Kariel e Iorek, e já de posse da Orbe exigiu:
      "Agora me dê a chave."
      Kelta partiu para Ájax que já trazia a chave nas mãos.  Novamente Villayette não acreditava no que via, com a garganta seca apesar da chuva que caia, sentiu o aperto na alma, uma dor no peito.  Perdera a esperança, reviveu seu sofrimento, e sentindo também a culpa pelo que estava acontecendo, mais uma vez pediu ao infame.
      "Cyric.  Eles não vão parar.  Por favor solte-a.  Fique comigo.  Por favor, evitemos mortes."
      Mas Cyric não ouvia, estava obcecado.  Segurava Coral, mantinha a adaga pressionada no pescoço dela.  O pescoço sangrava por um pequeno corte.  Ele queria a chave, precisava dela para se tornar um Deus.
      Naquele momento, Kelta já de posse da chave, gritou:
      "Você tem a Orbe. Solte ela e eu te darei a chave."
      "Acha que sou burro, Kelta? Coloque a chave na Orbe.  Depois que eu me tornar um Deus, eu a solto."  Disse Cyric.
      "Saia da frente, Kelta.  As minhas lâminas matarão o desgraçado."  Gritou Fergal, selvagem na raça e no dizer.
      "Não!", gritou Kelta de volta, mas uma outra voz foi ouvida.
      "Faça, não se preocupe comigo, faça" Era Coral implorante.  Fergal atacasse, ela certamente morreria... Seria o preço.
      "Cyric, está morto de qualquer maneira.  Se a matar, morrerá. Solte-a." Fez Feargal girando as duas espadas.

      Kariel, aproveitando a distração, conjurou um feitiço.  Tentou prender Cyric, mas o Escolhido não obteve sucesso.  Cyric, ágil como o gato pardo de Calimshan, esquivou-se da carga mágica, girou com Coral, qual num dança.  Também desviou-se dos diversos golpes desferidos por Arthos.
      "Filhos de uma cadela sodomita.  Se fizerem outra patuscada destas, eu rasgo o pescoço da porca."
      Kelta encaixara a chave na orbe.  O artefato brilhou, suas inscrições giraram, e o ar ficou impregnado de runas divinas que giraram à roda da Comitiva.  Cyric, embevecido pelo poder que ainda não possuíra, relaxou um segundo.  Apenas um segundo... Naquele momento todos só ouviram esta curta frase.
      "Perdoem-me."
      Aquela frase carregada de mágoa partiu do elfo Villayette, decidido a acabar com o sofrimento de Coral, pois ele admirara a coragem dela ao implorar para Feargal atacar.  Villa concentrando-se em um único pensamento, o de livrar Coral do sofrimento, atacou.  Sem certeza de sucesso.
      Fora um ataque rápido e quiseram os deuses que Coral fosse libertada, pois, naquele momento a nona runa da Lâmina Lunar mostrou seu efeito.
      A atmosfera encheu-se de cores, como numa explosão.  Os olhos ficaram ofuscados.  Iorek viu o Mentiroso tencionando mover-se.  Disparou.  Mas, adágio já aqui usado, "quem é Deus nunca perde a Divindade."  Cyric desapareceu como que por encanto.  A flecha de Iorek ficou numa árvore.  O Mentiroso havia escapado, mas deixara para trás algumas coisas que até poucos segundos lhe pertenciam: um anel de prata, uma adaga curva e, vejam, uma mão trêmula.
      Villa, carrasco da mão mentirosa, também desapareceu da cena, correndo, todo desespero.
 Coral tombou.  Tombou também a Orbe.  Kelta, caiu genuflexo, ergueu Coral da lama, deu-lhe uma poção mágica para beber.  Coral, ao chão, chorava e abraçava seu marido, suas lágrimas misturavam-se com a chuva e depois com o sangue que escorrera do pequeno corte em seu pescoço.  O talho desaparecera, sortilégios das poções encantadas.  Kelta chorou, chorou e abraçou sua amada esposa.

      "Ó Coral, me perdoe."


A Maior Proeza de Iorek

      Iorek partiu em perseguição na mata, com seus olhos de ranger seguia a trilha de pegadas e sangue que Cyric deixava.  Mais adiante, ele viu "a coisa" em pé, espada em punho, incitando-o para um combate franco.
      "Venha Iorek.  Eu vou te foder, eu te mato, comerei teu coração, desgraçado."  Disse preparando-se para atacar.
      Iorek nada disse pois preferia atacar a ser atacado pelo infame, e então começou aquela que seria sua maior luta.
      Chegou Arthos Fogo Negro.
      "Esta luta é nossa, Iorek, ou tens medo de encarar-me?"
      Então Arthos abaixou a arma e apenas observou.
      Cyric enfiou o cotó, ainda sangrando, no bolso da calça.  Preparou a arma na mão esquerda e avançou.  Os rivais se pegaram qual cães famintos esquecidos do osso; ou como o raio que racha antigo carvalho.  Era assim que partiam um contra o outro.  O sangue correu nesta refrega, pedaços de carne sempre retornavam junto com as lâminas.  Os braços de urso de Iorek, empunhando as espadas, desconjuntavam o esquelético Cyric.
      Chegou Magnus de Helm.  Entendeu o ocorrido e pôs-se ao lado de Arthos.
      Moradin segurou Iorek pelos ombros, seria uma explicação plausível para o fato de, estando tão massacrado, prosseguir avançando.  Acreditava estar morto quando as pernas de Cyric falharam.  O Mentiroso retirou o braço de mão amputada do bolso e com o cotovelo apoiou-se numa árvore.
      A tarde seguia, foram momentos de tensão, de um lado Cyric do outro Iorek, ambos bastantes feridos.  O sangue dos dois emprestava uma tonalidade rubra ao solo e o cheiro misturava-se ao ar, nem a chuva forte que caía diminuíra seu odor.  Esgotados pela batalha, encaram-se.
      Iorek, exausto, podia ainda erguer a espada. Cyric mal respirava.
      "Iorek", falou Cyric, "Iorek, por favor, não me mate, me perdoe.  Dê-me uma chance, nós fomos amigos.  Perdão, amigo, perdão, por favor, não me mate."
      Iorek chutou a perna do Mentiroso.  Escutou-se o barulho de ossos partindo-se.  Cyric caiu de joelhos.
      "Por favor, por favor, Iorek, por favor, não me mate, eu não quero morrer, eunaãooqueromorrerrr."
      Iorek atirou a lâmina longa no chão e preparou a curta.  Passou para as costas de Cyric, ignorou as súplicas e garrou-o pelos cabelos (foi neste momento que Iorek percebeu trazer um dos seus dedos da mão direita, inutilizado, pendurado apenas por fina camada de pele).  O ódio cresceu.  A noite eterna cobriu os olhos de Cyric, desligaram-se os membros e a alma voou para Hades.
      Está ai a maior proeza de Iorek, Flagelum Deorum, ou em língua comum, Flagelo dos Deuses.

Kelta pede perdão

      Erguendo a cabeça cortada do ex-Deus, ex-Mentiroso, ex-ladrão, ex-guerreiro, ex-vivo, Cyric, Iorek, trazendo na face feridas profundas, tentou sorrir.  Disse para Arthos e Magnus.
      "Por favor, coloquem minhas armas no cinto."

      Iorek retornou com a cabeça troféu.  Foram confusos os acontecimentos daí por diante.  Sabe-se que Iorek não ficou entre a Comitiva, que entrou na floresta sem deixar Adsartha terminar os curativos, que Kelta recolheu-se em pesado silêncio, que Coral chorou o resto do dia, que Feargal humilhou o cadáver de Cyric e espalhou os membros do infeliz por vastas áreas da floresta, que os demais mantiveram a prontidão até altas horas e que poucos dormiram.
      Algum tempo depois enquanto caminhava sozinho, refletindo, Villayette foi surpreendido por Iorek.  Ficando impressionado com seu estado, pediu que ele retirasse sua armadura de couro.  Eles ficaram ali, sem comentar sobre os fatos.  Iorek, lembrando-se do assado que trouxera de Silvanus, ofereceu a carne ao elfo.  Então eles ficaram no escuro, sob chuva tremenda, comendo carne fria.  Não era o que ambos esperavam, mas nenhum dos dois se queixou de nada.  Parando a chuva, Villa costurou Iorek onde ele precisava, depois deitaram na grama úmida (que não se faça ilações pederastas).

      No dia seguinte Iorek tentou, sem sucesso, fazer com que Villayette retornasse para junto dos outros, mas Elder Villa ainda não queria olhar nos olhos dos seus amigos, não estava preparado para encarar Coral ou até mesmo Kelta.  Eles decidiram viajar na frente.

      Dois dias depois a Comitiva saiu da floresta.

      "Amigos! Eu gostaria de dizer algumas coisas." Estas palavras disse Kelta.  Continuou, a face triste, assim.  "Eu sei quase fiz uma coisa terrível, mas gostaria que soubessem que eu não escolhi nada, tudo que fiz foi por instinto.  O que eu sinto por esta mulher é mais forte do que eu.  Ela é como a luz do amanhecer, é como o som dos pássaros cantando, ou a brisa suave que sentimos agora, ela é como uma fadinha.  Eu jamais poderia deixar que um desgraçado como aquele pudesse fazer mal a ela.  Digo, infelizmente, que faria tudo de novo, e de novo..."

      Abraçado com sua amada, Kelta disse essas palavras aladas.  À medida que elas saíam de sua boca, o ex-mago chorava como uma criança de dez anos pedindo desculpas ao pai por ter cometido uma falta.  Estava inundado em vergonha.
      "Por Talos Agitador dos Mares, que diz? Pede desculpas, mas se está entre aqueles que eu considero mais corajosos.", comentou Àjax.

      Os integrantes da Comitiva ouviram em silêncio.  Os que já conheciam Kelta estavam surpresos, nunca o ouviram falar daquela forma.  Pior, nunca o tinham visto chorar ou demonstrar seus sentimentos tão explicitamente.  Estavam acostumados com sua sisudez, de modo que sentiram sua dor e a sua vergonha, mas não censuraram o companheiro.  Ninguém saberia o que fazer.  Bem, ninguém é mais um exagero; não disse nada, mas Arthos censurou sim as atitudes de Kelta, e a partir desta data passou a considerá-lo um fraco.  Retornando as considerações dos demais: naquela situação, não tentaram se pôr no lugar dele: Kantras, Magnus, até mesmo Feargal (que já havia sentido o pesar no seu coração quando sua esposa humana se fora), ficaram em silêncio; Adsartha, que demonstrava a Kantras sua força, manteve-se em silêncio, pois ela sentira o sofrimento de Coral e sentira a dor do companheiro.  Ela mesma também não saberia o que fazer se tivesse acontecido com Kantras.  Kariel olhava para o amigo e recordava a sua dor.  Sofrera por ter se afastado de Ênia, mas aceitara o que o destino lhe reservou.  Olhando para Kelta, lembrou-se de seu tio, que a pouco tempo fizera uma escolha terrível, salvando a Comitiva e Faerûn, mas arriscando a vida de sua esposa, agora prisioneira no Abismo de Graz´zt.

      Ájax, Adon, Diana e Feldin Braço Forte também ouviram em silêncio.  Admiravam Kelta, uns pela forma como demonstrara seus sentimentos, outros, pelo passado do ex-mago.       Ninguém poderia afirmar o que fariam se estivessem em situação parecida.  Após as palavras de Kelta e de Ájax, o silencio permaneceu, mas foi sendo quebrado.  Quisesse que os homens, elfos e anões ficassem calados, os deuses não lhes teriam dado bocas falantes.  Coral, estava pasma, vivera anos com aquele homem, mas nunca o vira agir daquela maneira, não conhecia aquela faceta de seu esposo.  Amou ele mais que tudo, pois vira verdade em suas palavras, não conseguia tirar os olhos dele, admirava sua face e ouvia sua voz, sentia-se bem.

      "Nunca iria fazer mal algum a Comitiva, vocês são meus amigos!" estas palavras falou Kelta.  Terminou.

A Comitiva se reúne e prossegue

      O dia chegava na sua metade quando Villayette e Iorek vêem ao longe a Comitiva.  Iorek pergunta ao companheiro se ele estava disposto a encará-los, e com um modesto aceno de cabeça ele concorda, então os dois seguem em direção a Comitiva.

      Kariel, vendo o tio, o repreende pelo seu desaparecimento.  Villayette se desculpa com todos por sua atitude, mas é Kelta quem se aproxima dele com um semblante sério dizendo:
      "Me desculpe, eu não lhe agradeci pelo que você fez.."
      "Não precisa agradecer."
      "Villayette, eu irei aos nove infernos com você, para resgatar sua esposa." Este juramento fez Kelta.
      "Não diga isso, Kelta, não precisa ir.  Não se dê esta responsabilidade, meu amigo."       Responde Villayette.
      "Você não me acha capaz de ir com você?"  Pergunta Kelta.
      "Não duvido de tua capacidade, mas me preocupo com todos vocês.  Prefiro que você fique."       Responde Villayette.
      "Mas o que você fez por mim..." Instou Kelta.
      "Eu não fiz nada, Kelta.  Eu prefiro que você cuide dela." diz Villayette apontando para Coral.  "Será muito perigoso e eu não me perdoaria se você morresse por lá, não quero separá-lo dela."
      "Villayette, eu rezarei todos os dias para Corellon para que você consiga resgatar sua esposa, rezarei até o fim dos meus dias."  Este novo juramento fez Kelta.
      "Obrigado meu amigo..."  Agradece Villayette com um leve sorriso.
      Kariel aproximou-se.
      "Não faça mais isto.  Desaparecer desta forma! Deixou-nos a todos preocupados."
      Destarte redargüiu Elder Villa, o mais velho desta Comitiva.
      "Vejam agora! Estou, no alto dos meus 504 anos, a ser repreendido pelo meu jovem sobrinho."
      A esta observação, replicou Kariel.
      "Sim.  Certamente é mais antigo, mas às vezes, sou mais sábio."
      Três dias passaram rumando para o oeste, sonhando com Águas Profundas, e sempre que eles paravam, Kelta confortava Coral com abraços fortes para apagar o sofrimento, tanto de um como de outro.
      Magnus, percebia a vergonha de Kelta, mas não se incomodava.  Naquele dia ele estava desesperado, com a vida de sua esposa em jogo. Não sentia raiva ou rancor do amigo, mas satisfação ao vê-lo feliz.

      Diálogo teológico durante a jornada.

      Comentou, de modo prosaico, Kariel:
      "Mystra, Bane, Érix, Cyric... Nunca imaginei que veria tantos Deuses Eternos!"
ao que Magnus acrescentou, cheio de galhardia:
      "O melhor ainda está por vir, verá Helm Guardião."  Pronunciou com face devota, o cenho muito franzido.
      Ao que Adsartha espetou:
      "Não preciso ver a Mãe Chauntea, pois ela vive em todas as plantas da natureza.  Ademais, não necessito ver Helm."

Fzoul ante à Bane


      Fzoul Chembryl, de Bane o Escolhido, e sua tropa, surgiram em algum lugar do limbo.  Bane interveio e levou-os ao seu castelo.  Apenas Fzoul adentrou no salão da destruição.  Encontrou Bane sentado em seu definitivo trono, o queixo apoiado no punho.

      "Aceito teu castigo, Mestre!"  Fez Fzoul reverenciando.
      "Se não buscasses a Orbe para ti, Dileto meu, se não quisesse poder, mesmo desafiando-me, mostraria que nada aprendeu.  Retirei-te da morte prematura, pois este Érix, de cuja libertação tramei, não será em nada maior do que eu, o Senhor da Destruição.  A Orbe que tanto ambiciono está se aproximando das ruínas de Ilefarn.  Os pupilos de Elminster atravessarão a cidade rumando para o oeste.  Tu ficarás oculto entre as ruínas da parte ocidental da cidade mitológica.  Quando a Insignificante Comitiva, ou Comitiva da Insignificância, estiver deixando a cidade, deverás atacá-los com fúria suprema e desprovido de piedade.  Deixei que agisses livre, em busca da tua própria ambição, contudo, falhaste e agora me servirás.  Quanto mais impiedoso tu fores, mais poder dar-te-ei."

      Fzoul fez uma longa vênia e deixou o salão.  Num átimo, ele e sua tropa, estavam entre as ruínas ocidentais de Ilefarn, apenas aguardando.

* * *

      Após algum tempo de estrada, a Comitiva vê ao longe uma cidade, e a medida que se aproximam notam que a mesma parecia estar em ruínas.  Todos ficam apreensivos e então Villayette recorda que aquela deveria ser Illefarn, uma das maiores cidades élficas da antiguidade, destruída pelos bárbaros há anos passados.  Villayette e Arthos, curiosos e ansiosos para entrar na cidade (pois queriam saber mais sobre seu povo) foram em direção ao que restou de Illefarn, sendo seguidos pelos demais elfos.  Ao chegarem perto, vêem uma gigantesca estátua, tombada e partida em três pedaços, erguendo uma espada.
      Aproximam-se da estátua.  Param perante os seus olhos imensos.  Sopra um vento forte e os olhos de pedra se abrem.

      "Que é você?"  Pergunta Arthos de chofre, deslembrado de tudo pelo pavor.
      Sopra um vento forte novamente.  A estátua tombada, e partida em três parte, responde com voz de trovão. Eis o trom:
      "Corellon Larethian!"
      Os elfos caem de joelhos diante de seu Deus-Pai, reverenciando-o.  Então a estátua fecha seus olhos.
      Eles entraram na cidade e Halaur de Evereska confirma, realmente aquela era Illefarn.  Seguindo pelas ruínas, o grupo vê diversas estátuas dos Deuses do Seldarine.  Villayette e os demais elfos seguiram em direção a uma acrópole, onde distinguiram, talvez, antigo templo de Corellon, pois eram carregados de reverência.

      Os que subiram até as ruínas do templo de Corellon, viram um altar, onde outrora eram realizados os rituais e os sacrifícios em homenagem ao pai de todos os elfos.  Atrás deste altar duas estátuas se apresentavam.  Eram antigas, mas imponentes e belas.  Uma era a imagem da nua Hanali Celanil, a outra do belicoso Corellon.  Ájax entrou no templo com uma lebre que caçara a pouco, e a ofertou em hecatombe.  Quando o sangue do animal tocou a antiga bacia de rituais, os olhos da estátua de Hanali se abriram; soprou um vento e todos que estavam no templo ouviram a voz como um trom.

      "O que desejam?"
      Depois de um momento de pura contemplação, Kariel, Dileto de Mystra, e que já começava a habituar-se às Divindades, respondeu. (os olhos abertos da estátua vivos como olhos de carne)
      "Meu Senhor, gostaríamos de chegar a Águas Profundas.  Estamos indo para a Escada Celestial. Levamos conosco um grande fardo."
      "Passem entre nós e poderão chegar lá, mas sairão em uma antiga passagem sob a cidade."
      Kariel agradece e os olhos das estátuas se fecham.  O grupo se reúne para decidir se devem seguir pelo portal ou pela estrada. Kelta preocupado pergunta:
      "Nós podemos descansar antes de ir? Iorek está muito ferido.", disse Kelta estas aladas palavras.
      "Não, Kelta, devemos nos apressar, aproveitar a dádiva que nos foi dada." Responde Villayette.
      "Mas nós podemos passar pelo portal amanhã ou depois." Esta réplica fez Kelta.
      Kariel discordou assim:
      "Talvez...Porém lembre-se que ainda estamos no período de celebração do Festival de Corellon.  Este pode ser o motivo pelo qual ele nós concedeu a passagem pelo portal.  O Seldarine está na terra por causa do Festival.  Não podemos confiar em nosso calendário.  Vai que o festival acaba daqui a poucos minutos."
      "Villayete, você esqueceu quem é dono daquele lugar? Pois se o portal nos levará para o subterrâneo, podemos acabar naMontanha Subterrânea.  Por acaso esqueceu de Halaster? E se ele quiser a Orbe?" Estas acertadas palavras disse Kelta.
      "Não, Kelta, não esqueci daquele lugar, nem de seu dono, mas é fundamental que nós sigamos o mais rápido possível.  Além do que, não sabemos se ele quer, ou sabe da Orbe."  Responde o elfo, porém não havia convicção em suas palavras.
      A Comitiva passou entre as estátuas e uma escadaria se revelou.  Feargal, selvagem na raça e no íntimo, teve habilidade para adestrar os animais primitivos.  Conseguiu descer os cavalos pela escada e, quando eles chegaram no fim dos degraus, um imenso espelho esculpido se revelou.  Foi quando soprou o vento e uma face apareceu e argüiu:
      "Qual o destino?"
      "Águas Profundas."  responde Kariel.
      A Comitiva atravessou o portal e tudo ficou escuro.


Esta história é uma descrição em teor literário dos resumos de aventuras jogadas pelo grupo Comitiva da Fé em Salvador sob o sistema de RPG Advanced Dungeons & Dragons.

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